sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A Arte do Ser Cantante - Parte I

Por Cecília Valentim
I - O Poder do Canto 



“Acredita-se que cada ancestral totêmico, ao viajar pelo país, tenha espalhado uma trilha de palavras e notas musicais ao longo de suas pegadas...Essas Trilhas de Sonhos acham-se sobre a terra como” vias “ de comunicação entre as tribos mais distantes. [Elas]....vagueavam pelo continente no Templo-dos-Sonhos cantando o nome de tudo o que cruzava o seu caminho – aves, animais, plantas, rochas e fontes de água- e, assim, fizeram com que o mundo existisse através do canto.” 

Bruce Chatwin em The Songlines

(Sobre os aborígenes australianos)

Em todas as culturas o Canto surge como via de conexão do humano com o divino, o sagrado e o indizível, em busca de um melhor entendimento de si mesmo, da sua relação com o mundo e com a natureza, possibilitando um senso de comunidade e cooperação. O canto ritual dos povos primitivos, o canto do poeta trágico, o canto gregoriano, os cantos de amor dos trovadores medievais, o canto das lavadeiras e carpideiras do nordeste, são algumas das manifestações dessa busca. Portanto, a relação do humano com o cantar é natural e inata. As referências do poder da música e do canto são ancestrais; Pitágoras já propunha uma ordem sonora ou escala para cada humor. Os xamãs[1] até hoje utilizam o canto para afastar os maus espíritos, curar doenças e favorecer a colheita. Mais recentemente, pesquisas têm corroborado a utilização do canto com finalidades terapêuticas, na liberação do fluxo de energia reprimindo, no restabelecimento da conexão com os sentimentos e na restauração da espontaneidade e expressão dos afetos. 

[1] Termo pelo qual são conhecidos os sacerdotes espirituais ou curandeiros em diversas tradições.

II-Canto e Cura 



...”Pitágoras achava que a música poderia dar uma grande contribuição para a saúde se fosse usada de maneira correta...Ele chamou a este método de medicina musical. Os seus discípulos cantavam em uníssono determinados cânticos ou peãs, com os quais eles pareciam se deleitar, tornando-os melodiosos e rítmicos. Em outras ocasiões, os seus discípulos também empregavam a música como remédio, sendo determinadas melodias compostas para curar as paixões da mente e outras para o desânimo e a angustia mental. Além desses usos médicos, havia outras melodias para a raiva e a agressão e todas a perturbações psíquicas”. 

Jâmblico

(filósofo do séc. XVI, sobre Pitágoras)

O Ser Cantante 




“Cantar ou falar ritmicamente é em seu sentido mais profundo uma invocação ativa, uma realização, um intercâmbio no interior da camada acústica do mundo....O mundo foi criado através da energia cantante como primeira manifestação de um pensamento em que o som da vibração primordial sacrificou a si mesmo, sendo progressivamente elaborado num ritmo espiralado crescente de novas vibrações cada vez mais altas, metaforseando-se aos poucos em pedra e carne.” 

M. Shneider [1]


A Nova Ciência[2] nos traz, a cada dia, novas informações acerca do mundo do infinitamente pequeno, das partículas que constituem o átomo e a matéria. 

Inúmeros experimentos em laboratórios de Física, em especial na Física Quântica, comprovam o que os antigos sábios da Índia já diziam há cinco mil anos: Nada Brahma[3] – O mundo é som. 

Na busca de uma teoria unificada[4], chegamos a Teoria das Supercordas, que propõe que toda matéria e todas as forças provêm de um único componente: cordas oscilantes. A proposta desta teoria é que as cordas são os ingredientes ultramicroscópicos que formam as partículas, que por sua vez, compõem os átomos[5]. Se toda a matéria é composta por partículas, incluindo a matéria humana, podemos arriscar dizer que todos nós somos vibração em origem e essência, portanto, seres vibrantes[6], cantantes por natureza.[7]

Quando cantamos estamos usando a matéria-prima som para fazer música – Arte que se constitui de uma linguagem, signos sonoros[8], e, portanto integrando as funções do sentir, do processar, do perceber em estruturar em uma estética e expressão de comunicação que é, por si só, forma, conteúdo, corpo e espírito, mensageiro e mensagem[9]. Cantamos com a totalidade do nosso Ser, comunicamos quem somos e o que sentimos; vibramos e manifestamos nossa alma. 

O Corpo Emocionado

Vivemos em um corpo constantemente modulado pelas nossas experiências, emocionado a todo instante. 

Em termos fisiológicos básicos, quando cantamos há,, uma maior oxigenação do cérebro, alterando o estado de consciência e uma maior liberação de hormônios e neurotransmissores[10] que acontece de acordo com a experiência do momento e com a história pessoal definindo a emoção que é acionada. Em termos da bioquímica da emoção, ao cantarmos, conectamos com nossa experiência em relação aos sentimentos que a música traduz. Se a experiência é consonante, liberamos serotonina, dopanina e endorfinas, se dissonante, adrenalina e cortizol. É importante lembrar que as emoções geram a reação química e a reação química modula as emoções. Se o Cantante se permite à expressão dos sentimentos, ele aumenta o fluxo nas áreas instrutivas do cérebro, diminuindo conexões negativas e criando novos marcadores somáticos[11]



[1] M. Scheneider – Pedras que Cantam, pág.12 
[2] Termo que designa um conjunto de conhecimentos e áreas do saber, como a Física Quântica, que estão, nos últimos anos, questionando a perspectiva materialista e racionalista da ciência predominante. 
[3] Na mitologia hindu, o som primordial é conhecido como Nada, que em sânscrito significa som. O cosmo nasce quando o deus Brahma, criador do mundo, o toca em seus címbalos. Hamel, Peter M. O Autoconhecimento Através da Música, pág. 147. 
[4] Teoria capaz de descrever as forças da natureza por meio de um esquema único, completo e coerente. Greene, Brian, O Universo Elegante: supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva, pág.9. 
[5]Greene, Brian – O Universo Elegante: supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva, cap 6,pág.156 
[6] Segundo Alexander Lowen, criador da Anélise Bioenergética, abordagem psicoterapeutica neo-reichiana, um corpo vivo é um corpo vibrante: “Os indivíduos cujos corpos estão cheios de vida e vibrantes conseguem sentir a realidade de seu ser e podem ser descritos como pessoas sensíveis. A sensibilidade é a qualidade de uma pessoa que está plenamente viva” - Lowen, A. – Alegria, a entrega ao corpo e a vida, pág. 36 e 219. 
[7] Neste sentido, podemos considerar a doença como uma interferência negativa ou ruído, uma distorção no nosso padrão vibratório original. Segundo Novalis, poeta e místico do romantismo, toda doença é um problema musical. 
[8] Koellreutter, H.J, Terminologia de uma nova estética da Música, pág.90. 
[9] Extraído do artigo Música e Neurociências de Mauro Muszkat e colaboradores-Unifesp. 
[10] Substâncias químicas responsáveis pela comunicação entre as células nervosas , os neurônios. 
[11] Marcadores Somáticos: teoria desenvolvida pelo neurocientista português Antônio Damásio em seu livro O erro de Descartes, pág. 197: “...Em suma, os marcadores somáticos são um caso especial do uso de sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos foram ligados pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários. Quando um marcador somático negativo é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao contrário, é justaposto a um marcador somático positivo, o resultado é um incentivo” 



Sobre Cecília Valentim
Cecília Valentim, CBT., é Cantante, psicoterapeuta e educadora vocal. Graduada em Música/Canto, foi aluna e assistente de H.J. Koellreutter por 12 anos. Especializou-se em Música Antiga na Inglaterra, com Emma Kirkby e Evelyn Tubb e na Espanha com Jordi Savall e Montserrat Figueiras. Formou-se em Healing Voice e Overtone Chanting na Inglaterra, com Jill Purce.
É formada em diferentes linhas da Psicoterapia Corporal, Transpessoal e Energética como Análise Bioenergética, Biossíntese, Biopsicologia e Terapia Iniciática.Estudiosa dos rumos da Nova Física, da Neurociência e Espiritualidade, Cecília é pioneira no Brasil e inovadora na integração entre as Artes do Canto e da cura como caminho de transformação pessoal e expressão. Criou a abordagem A Arte do Ser Cantante. Há mais de 20 anos vem aprimorando e levando seu trabalho como artista e curadora a diferentes lugares do Brasil e exterior.

O presente artigo é parte de pesquisas, práticas e reflexões realizadas por Cecília Valentim e faz parte dos fundamentos teóricos da Abordagem da Arte do Ser Cantante.

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